quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Como vai, colega educador?

Como vai, colega educador?


Parece uma pergunta tola, mas não é!

Olhe para dentro de você, seja sincero. 


Vou começar respondendo por mim, ai você fica mais à vontade, certo?


Bem mesmo, não ando, mas poderia ser pior. Não sou otimista, nem pessimista, mas realista. 


Quando escolhi esta profissão, tinha 14 anos de idade, estava na oitava série e fui convencido a mudar de caminho, pois em 1989 o negócio já não estava assim tão bom. Quando conclui o antigo Magistério, mais críticas e conversas para eu desistir. Todos ficaram horrorizados quando comecei a lecionar. "Com tanto futuro, esse ai poderia ser jornalista, escritor, advogado ou padre", diziam. De fato, tenho tendências a tudo isso, mas não é porque a profissão não anda bem que eu não vou insistir nela. Sou professor, essa é a minha escolha!


Mais de uma década que estou na ativa, tive muitas oportunidades de pular fora, e não pulei, nem pretendo pular. Já passei por muitas dificuldades, ameaças, até mesmo atentados, mas não pulo fora por nada!


O leitor deve pensar: "esse ai é doido mesmo!" Respondo que nada disso, apenas fortaleço-me diariamente das seguintes formas:


a) Consciência história: sei que minha profissão foi melhor valorizada no passado, que meus antecessores foram abrindo mão de vários direitos em nome de não sei o quê. Na medida do possível deixo claro que não abro mão dos direitos que ainda sobraram, doa a quem doer!


b) Objetivo bem claro: tenho consciência de que não mudo o mundo com meu trabalho docente, nem aos outros, mas posso estabelecer uma troca saudável entre eu e o outro. O outro me enriquece e eu enriqueço o outro; faço-me presente nele, e ele em mim; enfim, participamos das conquistas e derrotas mutuamente, somos parceiros de caminhada. E no caso da criança, essa caminhada dá-se de forma lúdica, a alfabetização e a formação do conhecimento podem ser uma "brincadeira" a mais em nossas vidas. Pelo menos, até agora, tem dado resultados e nenhuma quinquilharia que tentam impor desvia-me deste rumo, que não é meu, mas nosso.



c) Vínculo Comunitário: Há mais de quinze anos trabalho com a mesma comunidade. No começo foi muito difícil. Como em todos os lugares, há seus pontos positivos e seus pontos a melhorar. Em uma comunidade periférica, onde mais da metade da população está abaixo dos 30 anos de idade, com perfil de alta vulnerabilidade social, o negócio é pior. Mas pessoas que mostraram muito carinho para com essa Comunidade serviram-me de exemplo a persistir. E deu certo. A Comunidade não mudou (até parece que piorou), mas os vínculos estão fortes. As vezes ficar na porta da escola dando um sorriso àquela mãe carrancuda pode fazer a diferença, pode desarmar uma bomba; entrar numa rodinha de conversa ou de brincadeiras dos alunos e mostrar interesse por isso, pode fazer uma diferença enorme; encontrar com esse aluno ou sua família na rua ou no ônibus e perguntar sinceramente se estão bem, desamarra caras fechadas e sombrias. Não soluciona problemas, mas impede a criação de novos e pode até mesmo diminuir os existentes. Palavra chave: diálogo!



d) Espiritualidade: cuidar de meu relacionamento comigo e com os outros é uma questão de espiritualidade. Como me vejo? Como vejo o mundo? Isto não depende, necessariamente, de Religião, mas de como relaciono-me comigo, com os outros e com o transcendente. Tem coisa que a Ciência não consegue explicar de forma satisfatória como, por exemplo, o relacionamento professor-aluno (tentam, mas as respostas possíveis e atuais, não me satisfazem). Isso é o que chamo de Transcendente, aquilo que não está em mim, nem no outro, mas no caminho entre nós. Este ponto é vital, sem o qual nada é possível: posso ter ótimos livros, ótimos computadores, mas se não interajo com o aluno, ajudado por esses meios, não acontece nada! Cuidar de minha espiritualidade é aguçar meu olhar para aquilo que não se vê, é curtir uma música, um filme, um livro, é revigorar minhas energias. E isso, por mais que neguem, é real, é fato. A sabedoria popular diz que "saco vazio não para em pé". Não sou saco vazio, tenho algo dentro e preciso cuidar desse algo.



Enfim, amigo educador, vou terminando aqui, pois a conversa já está longa.


Agora é sua vez. Como anda sua consciência sobre a profissão, anda abrindo mão de muita coisa sem clareza? Seu objetivo é claro e você elimina as quinquilharias que tentam afastar dele? Como é seu vínculo comunitário? - lembre-se de que, às vezes, é preciso abrir mão de algo para conquistar coisas maiores (o mar, em sua imensidão, abaixa-se para receber as águas dos rios). Como anda sua espiritualidade, seu interior? E sua privacidade: você mostra aos outros até que ponto podem chegar com você e vice versa? Eu faço isso, para evitar que mundos tão ricos se invadam e se anulem!


Pense bem antes de responder-me. Não aceito resposta escrita, quero olhar em seus olhos, sentir cada palavra que me falar. Afinal, o corpo e o olhar falam mais do que mil palavras.


Abraços e feliz dia dos professores a todos nós!


 João César