sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Chega de Formulas - Educar vai muito alem disso

Em vários lugares, quer sejam escolas particulares ou públicas, os professores são tratados cada vez mais como idiotas. É isso mesmo! A expressão é forte, mas é a realidade! Vejamos porque:

Todos nós professores passamos por cursos de formação, desde o antigo Normal (Magistério), até a graduação e pós graduação. Claro que cursos e diplomas não significam muito, mas atestam que algum contato formativo o professor teve. Como o mundo está em constantes mudanças, e o educador deve acompanhá-las, a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional prevê também a formação em trabalho, ou seja, em determinados momentos o professor tem oportunidade de ler, refletir sobre novas descobertas e experiências no campo educativo. Isso garante-lhe atualização, ganho de ferramentas com as quais poderá usar em sala de aula.

Essa formação em trabalho a Prefeitura do Município de São Paulo foi pioneira em implantar em sua rede, nos anos 90. É a tal da JEI (Jornada Especial Integral), na qual o coletivo de professores tem a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos teóricos e trocar experiências. Ou seja: são oferecidas várias ferramentas para que o professor possa utiliza-las nos momentos mais adequados em suas aulas.  Não são momentos esporádicos, são momentos fixos ao longo da semana, pelos quais o professor é remunerado. É um investimento no professor.

Com o passar do tempo esse espaço formativo coletivo vem perdendo forças devido a novos enfoques dados a esses momentos. Gradualmente a reflexão e troca de experiências têm dado lugar a repasse de informes de como deve-se implantar programas praticamente já prontos e acabados, em sala de aula. O fornecimento de ferramentas e oportunidade de reflexão e escolha das mais adequadas em cada momento foi substituído pelo seguimento de uma única ferramenta, presente em verdadeiros manuais a serem aplicados cotidianamente. Seria mais ou menos como deixar uma oficina apenas com uma chave de fenda e um martelo, e dizer ao profissional quando e como usar essas duas ferramentas. Fecha-se cada vez mais as oportunidades de reflexão e escolhas.

Claro que é uma Rede de Ensino e, como tal, deve ter sua marca, suas características, suas orientações. Isso não se discute! Não se questiona também a qualidade dos materiais desenvolvidos pois em sua maioria são de ótima qualidade, com propostas muito ricas. O que se questiona é a retirada do poder de escolha e de decisão das mãos do professor. Somente o professor é capaz de usar a ferramenta certa, no momento certo, com o aluno certo. A mantenedora é, de certa forma, obrigada a subsidiar o coletivo de professores com as mais diversas ferramentas, não somente com aquela que julga a prioritária - com ou sem motivo (não cabe também discutir isso aqui).

Chego aqui a um ponto muito polêmico, mesmo entre os professores, mas não poderia deixar de lado, pois é o viés de toda essa discussão: o método de ensino! Isso mesmo, pego pesado ao falar de método de ensino, pois há muito radicalismo em defesas e combates. Eu mesmo, em início de carreira, fui defensor ferrenho de um e crítico cego de outro. Mas nestes mais de 16 anos em sala de aula (veja bem o grifo: em sala de aula) o aluno mostrou-me que o limite é ele: há quem se alfabetize mais facilmente por um do que pelo outro. E essa situação cotidiana fez-me lembrar de como fui alfabetizado (claro que não se pode repetir a experiência no hoje e no agora, o contexto é diferente, mas a situação é a mesma): brincando com letras e sons, algo não muito bem visto hoje, mas deixou-me tão maravilhado enquanto criança, que de certa forma trouxe-me de volta as aulas, como professor.


Tem aluno que consegue evoluir em suas hipóteses de leitura e escrita, porque são estimulados TAMBÉM fora da escola (e ai conseguem facilmente "avançar" do pré silábico, por exemplo). Mas há aqueles que são estimulados SOMENTE em sala de aula, e teriam que dispor de um tempo relativamente maior para sua "evolução", "passagem". E cabe exclusivamente ao professor verificar e aplicar a ferramenta adequada no momento certo, sempre em benefício do aluno. Mas como, se agora se pode tirar parafusos somente com chave de fenda? E os parafusos que precisam de chave philips ou mesmo de um alicate, como ficam? Lembrem-se da comparação que fiz com a oficina. Então o parafuso que precise de outra ferramenta ficará excluído do processo?

Muitos dos colegas professores devem estar incomodados com essa leitura. Respeito-os, como fui respeitado por outros colegas quando eu não havia descoberto isso ainda. Lembrem-se que todos os métodos tem seus pontos positivos, mas devemos usá-los de acordo com as necessidades do aluno, nosso bem maior enquanto educadores. Ser capaz de acolher o aluno em suas necessidades didáticas é nossa obrigação, é a verdadeira inclusão. Mas como fazê-lo se não somos subsidiados, se dão-nos uma caixa de ferramentas apenas com chave de fenda e martelo. Claro que na hora do desespero com aquele parafuso que não "gira", somos tentados em dar-lhe uma bela martelada. Mas fazer o que: em nossa maleta há somente chave de fenda (e de um tamanho só, apesar de cabos coloridos), e um martelo. Tirou-se a oportunidade de usarmos a chave philips com aquele parafuso de cabeça diferente (olha a inclusão ai, minha gente!), ou o alicate com aquele parafuso "duro de se lidar". Entenderam minhas comparações, colegas? Para quem me conhece pessoalmente creio que sim, mas aqui pela internet...


Fico com a fala inteligente de uma estagiária nossa: "como respeitar o tempo da criança em evoluir de uma hipótese para outra se a Prefeitura cobra que a classe toda esteja já em uma determinada hipótese, quer pelas sondagens periódicas, quer pelas avaliações institucionais, que ocorrem em épocas especificas e são iguais para todos? Onde fica o construtivismo tão defendido na nossa formação?"


Percebam que neste artigo meu deixei de tratar das condições de trabalho para tratar da questão exclusivamente didática, exatamente para mostrar que o "buraco" na Educação está muito além do que se fala por ai, vai além de prédios bonitinhos ou daquela maldita fala que nos jogam na cara, de que professor só quer trabalhar com o aluno ideal. 

Não se ofendam também com o meu grifo "em sala de aula": não estou menosprezando jamais quem agora está em cargos administrativos (conheço, pessoalmente, gestores maravilhosos, exatamente porque não se esqueceram de sua experiência em sala de aula) mas digo que a sala de aula é uma experiência UNICA, não existindo duas aulas iguais, dois alunos iguais...


Optei em escrever esse artigo nas férias, para evitar "contaminações", para permitir-me um olhar à distância.


Para terminar: alguém ainda não entendeu minha colocação inicial de que os professores são tratados cada vez mais como idiotas? Repito que não é nada pejorativo, mas uma realidade. Tome distância dessa realidade, como fiz nestas férias, e analise o que lhe é cobrado e os subsídios que lhe dão quando está em aula. Pior: verifique o tratamento que a sociedade nos dá, compare olhares, falas e até mesmo programas humorísticos.


Abraços a todos.


Professor João Cesar.
São Paulo (SP)

(Instrumento particular de livre expressão, prevista na Constituição Federal, que é maior do que qualquer lei existente que lhe contrarie).


Em tempo: Embasamento legal da multiplicidade de ferramentas pedagógicas - liberdade de cátedra: Constituição Federal, artigo 206:
"Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
...
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, ..."

Publicado originalmente em meu blog "Refletindo o Cotidiano Escolar":